domingo, agosto 24, 2008

As olimpíadas da revelação

Algum tempo atrás estava assistindo televisão, prestes a adormecer, quando um destes jornais de fim de noite que trazem o resumo de tudo que aconteceu durante o dia, uma notícia me chamou a atenção, mesmo após ter visto os gols da rodada e aqueles fatos que, de certo modo, tornaram-se corriqueiros e não impressionam tanto, como escândalos políticos e corrupção, pequenas ou grandes crises econômicas, violência, alta ou baixa dos juros, etc.

A matéria exibida no jornal falava sobre as olimpíadas de Pequim, mais especificamente a respeito da festa de abertura. Dizia que vazaram imagens de ensaios para a cerimônia que daria início aos jogos olímpicos. A princípio parece uma notícia sem importância, mas reflete nitidamente o que acontece nos dias atuais, essa busca intensa em transformar tudo em um grande furo jornalístico e a privacidade, aos poucos vai se tornando um artigo de luxo.

Muitos acontecimentos retratam esta realidade, a banda Los Hermanos, por exemplo, na fase final de mixagem do seu terceiro álbum, Ventura, todas as músicas foram distribuídas pela internet, filmes, como o Tropa de Elite, muito antes de estrear nos cinemas já havia sido visto por milhares de pessoas. Até em outros assuntos, como no futebol, com câmeras e microfones por todos os lados, em certos momentos atrapalhando os jogadores, que tropeçam em fios, atropelam câmeras, repórteres invadindo o campo, me lembro de um jogo do Palmeiras, irônico um corinthiano se lembrar justo de um jogo do arqui-rival, na volta para o segundo tempo do jogo, o técnico Vanderlei Luxemburgo discutia com o árbitro da partida alguns lances duvidosos que ocorreram na primeira etapa cercado por repórteres, captando e julgando cada palavra que os dois diziam, gerando uma pressão desnecessária que poderia comprometer o resultado da partida. Qual será o próximo passo da imprensa nesse caso? Será que cada jogador terá um repórter e um câmera ou fotógrafo correndo ao seu lado durante as partidas?

Com casos mais polêmicos, como o assassinato da menina Isabela que tomou proporções fora do comum, parou o país e não dava sossego para os envolvidos no caso. A mãe, o pai e a madrasta, avós, policias, advogados, promotor, juízes, júri e os demais envolvidos, não tinham paz para seguir com suas vidas por causa das especulações que transformaram um drama familiar, uma tragédia para a sociedade, em um romance policial chulo e mórbido. Todos estes fatos deixam a seguinte reflexão, até onde a imprensa pode chegar? A vida de pessoas que se tornaram conhecidas, por qualquer que seja o motivo, também é de domínio público? Será que esse é o preço por se destacar em algo que saiba fazer?

Cada vez mais a sensação gostosa da ansiedade que precede a descoberta, a emoção e os medos da primeira vez, a poesia existente na insegurança, acompanhadas de muitas outras sensações, começam a se perder e serem substituídos por sentimentos enlatados, pré-fabricados. Até o sexo, explícito em todo o lugar, na televisão, jornal, revista e etc, apagam a sensualidade e o desejo de ver aquilo que está escondido, que só aparece pouco a pouco, mostrando pequenas partes, a curiosidade de saber o que está escondido debaixo do pano, a expectativa de saber o que vai acontecer no próximo capítulo de uma novela ou um seriado e dormir pensando nisso, o proibido, ter que fazer coisas escondido, sem que ninguém perceba, todas estas e outras situações estão desaparecendo, morrendo. Tudo está jogado por aí, a qualquer hora e lugar, para qualquer um ver a hora que quiser e parece que as pessoas adoram isso, sentem um prazer incrível e indescritível em aparecer e se mostrar de diversas maneiras com vídeos no Youtube, blog, flogs e qualquer outro tipo de site pela internet, mostrando tudo de sua vida, sem se preocupar ou valorizar sua privacidade.

Se as coisas continuarem neste ritmo, em pouco tempo o mundo todo será um brande Big Brother e todos nós estaremos cercados por câmeras, que poderão ler até nossos pensamentos mais íntimos e as pessoas poderão se deliciar, vivendo a vida do outro e deixando a própria história vazia, deixando de fazer a coisa mais bela e importante de todas, viver.

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